Predadores sexuais escondidos no mundo dos jogos! Entenda a dimensão do problema
O avanço da tecnologia e a democratização do acesso à internet tornou a vida da humanidade um pouco mais fácil a cada dia. Mas tudo tem um custo — e, certamente, se você tem filhos que jogam online, a dor de cabeça pode acabar saindo pelo dobro do “preço”.
Os grandes jogos online da atualidade, como o Roblox, são espaços virtuais que deveriam ser seguros e divertidos para os seus filhos. Na verdade, eles até são seguros, pelo menos até certo ponto.
Afinal, em teoria, grande parte desse público é formado especialmente por crianças e adolescentes. Mas também existem lobos em pele de cordeiro — e é com eles que você, pai ou mãe, precisa se preocupar.
Roblox é um fenômeno mundial, mas também um “playground” para predadores
Com 78 milhões de usuários ativos diariamente, o Roblox tornou-se uma espécie de mídia social para a geração mais jovem. No entanto, segundo a apuração do Bloomberg, o jogo tem apenas 3.000 moderadores — um número significativamente menor do que o TikTok, que tem três vezes mais usuários diários, mas emprega 40.000 moderadores.
Ao contrário de outras redes sociais disponíveis atualmente, que proíbem crianças menores de 13 anos, o Roblox foi feito especificamente para esse público, com mais de 40% dos usuários sendo pré-adolescentes. Certamente, um dos jogos mais famosos da atualidade acabou se tornando um verdadeiro “parquinho de diversões” para predadores sexuais.
“Se um predador quer atingir crianças mais novas e falar com elas para construir confiança e começar o processo de preparação, o Roblox é uma maneira fácil de fazer isso”, diz Ron Kerbs, CEO e fundador da empresa de segurança infantil online KIDAS. “Em vez de ir ao parquinho onde todos são crianças, eles vão ao Roblox“.
Casos envolvendo esses predadores que utilizam o Roblox para se aproximar de menores têm gerado uma grande comoção na comunidade internacional — tanto de jogadores quanto de instituições que cuidam dessas ocorrências.
Os indivíduos, que muitas vezes se passam por outras crianças, exploram diversos recursos disponíveis no próprio jogo, incluindo ferramentas de chat, sistemas de amigos e até mesmo a criação de conteúdos personalizados para atrair suas vítimas.
“Quando você é jovem, tudo o que você quer são amigos, então conversei com essa pessoa”, disse “James”, nome fictício de uma pessoa real, em entrevista ao BBC. “Eles fizeram perguntas como quantos anos eu tenho, de onde eu sou, meu nome, e eu respondi, porque quando você é jovem, você não pensa muito nessas informações, você não acha que as pessoas vão usar isso maliciosamente contra você”.
“Começou de forma muito inocente… depois foi tipo, “vamos levar essa conversa para o Kik [um app de bate-papo]””, relatou James, que passou pela experiência quando ainda era criança (atualmente ele tem 20 anos). “Eles pediram fotos sexuais, queriam ver meu corpo nu, essas foram as palavras que usaram, e tentaram retratar a situação como algo normal e aceitável”.
“Eles foram persistentes em tentar se comunicar comigo no Roblox“, continuou. “Eles vinham na conta em que eu os conheci e então me assediavam, me seguindo nos jogos que eu estava jogando e falando comigo continuamente. Eu me senti vulnerável porque estava sendo constantemente seguido por essa pessoa que era simplesmente horrível. Era assustador”.
Roblox tem problema sistêmico em seu método para proteger as crianças no jogo
Segundo uma reportagem do Bloomberg, desde 2018 a polícia dos EUA prendeu pelo menos 24 pessoas que sequestraram ou abusaram de vítimas que se conheceram através do Roblox.
O relatório, que o veículo afirmou lançar luz sobre o “problema de predadores” da plataforma, revela que em 2022 a Roblox Corporation relatou quase 3.000 incidentes de exploração infantil ao Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (NCMEC) — um número que saltou para mais de 13.000 em 2023.
Vale lembrar que, em agosto deste ano, a Turquia bloqueou o acesso ao Roblox em todo território turco, sobre a justificativa de que era uma medida necessária para proteger as crianças do país.
Em entrevista ao Bloomberg, o diretor de segurança da Roblox Corporation, Matt Kaufman, observa que os sistemas de moderação da plataforma escaneiam todo o bate-papo e outros conteúdos digitais, bloqueando palavras inapropriadas e os jogadores que as proferem. Esses sistemas, que podem intervir em menos de um minuto, são ainda mais restritivos para crianças menores de 13 anos, segundo o executivo.
Kaufman rejeita a ideia de que o Roblox tem um problema sistêmico com risco infantil e descreve a situação como algo que acontece em toda a indústria. “Dezenas de milhões de pessoas de todas as idades têm uma experiência segura e positiva no Roblox todos os dias”, explica o executivo.
A reportagem do Bloomberg também entrevistou diversas pessoas que trabalharam para Kaufman — e, infelizmente, o buraco parece ser mais fundo do que se imagina. Segundo os relatos de mais de 20 funcionários anônimos, incluindo engenheiros de segurança, embora a segurança infantil seja a prioridade da empresa, policiar a plataforma e seus milhões de usuários ativos diariamente é uma tarefa de Sísifo — ou seja: interminável e quase impossível.
Embora a empresa diga que está cada vez mais contando com recursos de inteligência artificial para moderação e que esses sistemas estão supostamente melhorando o tempo todo, alguns funcionários dizem que a tecnologia ainda não é capaz de detectar sinais sutis de aliciamento.
“A Roblox Corporation gasta muito tempo, esforço e dinheiro convencendo os pais de que sua plataforma é mais segura do que realmente é”, afirma Ben Simon, um criador de conteúdo sobre Roblox que ajudou a prender um dos predadores sexuais mais famosos e (acredite) venerados de um servidor de Sonic The Hedgehog — que acabou sendo derrubado anos depois com a prisão do predador e por intervenção da SEGA.
O problema transcende os blocos do Roblox
A dimensão do problema é alarmante. A própria Roblox Corporation afirma que se empenha no que pode para tornar o ambiente virtual do jogo algo seguro para crianças e adolescentes.
No entanto, parece que seus esforços vem sendo cada vez mais lesados, já que pedófilos e abusadores sempre encontram maneiras sutis de agir e usam métodos que muitas vezes passam batidos até pelo seu sistema.
Mas se engana quem acha que o Roblox é a única plataformas de games da atualidade que passa por esse tipo de problema. Em julho deste ano, tivemos um caso seríssimo no interior do Rio de Janeiro, desta vez envolvendo o Discord — um programa de comunicação bastante popular entre os gamers.
Na ocasião, Pedro Ricardo Conceição da Rocha, conhecido como “King”, foi condenado a 24 anos e sete meses de prisão pelos crimes de associação criminosa, estupro qualificado e coletivo, estupro de vulnerável e corrupção de menores. As ocorrências ocorreram entre agosto de 2021 e março de 2023.
Segundo as investigações, Pedro, que tem 19 anos, chantageava e constrangia adolescentes ao exigir que elas se tornassem “escravas sexuais” dos chefes destes grupos do Discord. Segundo a polícia, “estupros virtuais” eram cometidos e transmitidos ao vivo por meio de transmissões para todos os integrantes do servidor.
Há uma solução para o problema?
Apesar da gravidade da situação, ainda há uma luz no fim do túnel, graças às iniciativas que instituições, assim com o próprio Roblox, estão tomando para minimizar as ações desses predadores sexuais em jogos online.
A Roblox Corporation anunciou recentemente uma série de medidas para contornar a situação. Algumas delas incluem a necessidade de usuários menores de 13 anos em obter permissão dos pais para acessar “certos recursos de bate-papo”, enquanto menores de 9 anos precisam da permissão para jogar modos que tenham um rótulo de conteúdo “moderado” — que significa que a experiência pode conter violência moderada ou humor grosseiro.
Houve também a adição de um novo tipo de conta que permite aos pais gerenciarem seus filhos na plataforma. Com isso, eles podem vincular suas contas às dos filhos para que possam atualizar os controles parentais e acessar insights sobre jogatinas — como tempo de tela diário e lista de amigos.
Enquanto isso, grandes instituições de ensino ao redor do mundo também tentam conscientizar as pessoas através de uma série de estratégias, como jogos educativos, por exemplo.
Em maio deste ano, Joana Alexandre e Rute Agulhas, duas psicólogas e pesquisadoras do Instituto Universitário de Lisboa, anunciaram que vêm pesquisado maneiras de capacitar as crianças a identificar potenciais situações de risco envolvendo abuso sexual e o que elas devem fazer para contornar a situação.
Alguns de seus esforços incluem dois jogos, sendo o primeiro direcionado a crianças entre 6 e 10 anos. Já o segundo é um game de cartas que também conscientiza pré-adolescentes entre 11 e 14 anos a identificar potenciais abusadores.
“Em Portugal, o abuso sexual infantil é mais prevalente na faixa etária dos 8 aos 13 anos”, explicou uma das pesquisadoras. “Estamos atualmente finalizando o jogo de cartas “Vila Segura”, que se destina a jovens entre os 11 e os 14 anos, pretendendo aumentar os seus conhecimentos e desenvolver competências sobre abuso sexual, maus-tratos e bullying / cyberbullying”.
Em suma, não há uma solução concreta que acabará definitivamente com o problema. Ao invés disso, muitos esforços estão sendo direcionados à conscientização — algo que já ajuda a identificar potenciais ocorrências. Porém, se você é pai ou mãe, todo policiamento ao que seu filho vem jogando nos celulares ou videogames é pouco.
Fique de olho!
Fonte da Reportagem: Tec Mundo